terça-feira, 28 de setembro de 2004

"Regresso à Cúpula da Pena" - Parte II

Hoje publico a segunda parte do “Regresso à Cúpula da Pena”, do escritor José Rodrigues Miguéis. Esta parte do texto faz-me lembrar algo absolutamente fantástico que eu presenciei, exactamente no mesmo local, no Castelo dos Mouros.
Foi há muito tempo. Eu devia ter cerca de 20 anos (foi portanto há 10 anos). Estava com um grupo, na casa de uns amigos, mesmo na Vila de Sintra, num Palacete do início do século passado, lindo de morrer! Fartos de jogar às cartas, decidimos aventurar-nos e subir a Serra a pé até ao Castelo dos Mouros. Era algo que fazíamos de vez em quando, quando se juntava um grupo divertido, e lá fomos nós! Deviam ser duas horas da madrugada quando chegámos ao cume da Serra, depois de uma hora às escuras (não podíamos acender lanternas por causa dos guardas florestais, pois é proibido andar ali àquelas horas). Sentámo-nos nas ameias do Castelo dos Mouros e aí tivemos uma das visões mais maravilhosas que alguma vez tínhamos tido! Do outro lado, no outro morro da Serra, lá estava o Palácio da Pena, que se ergui sobre todo o vale. A lua estava exactamente por trás do Palácio e, por isso, só víamos os recortes do edifício e das suas torres. À frente, uma neblina insistia em não desaparecer. Visto dali, o exuberante Palácio da Pena parecia tirado de um livro, ou de um filme. Olhámos uns para os outros, embasbacados com aquela visão. «Parece o Castelo do Conde Drácula», disse alguém! Ali ficámos, talvez duas ou três horas, cheios de frio (mas nem pensávamos nisso), a conversar e a presenciar aquele espectáculo único que só a Serra de Sintra pode oferecer!

"Regresso à Cúpula da Pena" - Parte II

Aqueles passeios a Sintra tinham sido sempre o meu regalo. Amava as hortas, as praias, os toiros, o futebol: mas sempre que me apetecia fugir deste simulacro de Inferno aberto em Céu ― Sintra comigo. Por lá andava todo o santo dia, de chapéu na mão, assobio na boca, a boa sombra, Seteais, as fontes, almoço no Lawrence (ou no Pombinha, conforme o orçamento), depois os Capuchos, as ruínas, a Pena... Cheguei mesmo a dormir uma noite, sozinho, nas ameias do Castelo dos Mouros. Foi no Verão, não há memória dum Agosto assim tão quente. A coisa mais extraordinária, nunca o hei-de esquecer, foi que o Sol se pôs no mesmo instante em que a Lua rompeu, e vinha cheia! Um espectáculo como nunca vi outro, nem sol da meia-noite, nem auroras boreais. Eram dois sóis, qual deles o maior, qual o mais vermelho, suspensos no horizonte, em lados opostos do mundo. Parecia uma alucinação ou um caso de espelhismo natural. Durante instantes tive a ilusão dum «fenómeno» ou cataclismo: o universo parava, e ficava retido entre aqueles dois bugalhos enormes de luz vermelha e baça... Depois o Sol afundou-se, e a Lua subiu, empalideceu, esfriou, fez-se uma lua de balada à Soares de Passos. Enfim, lá fiquei essa noite, e por sinal que me fartei de bater os queixos com frio, sem sobretudo, no Agosto mais quente de que rezam lendas encantadas. (Cont.)

José Rodrigues Miguéis, in “Léah e outras Histórias”, excerto de Regresso à Cúpula da Pena (1959)

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1 Comments:

At 14:08, Anonymous Anónimo said...

Ai Lua...tens que mudar este sistema de comentários que é uma seca!! Olha v~eo teu email... Mandei-te um presente... Uma caixa de GMAIL cheia de maresia... Segue o link e abre a tua conta nova.
Ah.. sou o azenhas do http://azelhasdomar.blogs.sapo.pt

 

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