quarta-feira, 20 de outubro de 2004

Ramalho Ortigão

Daqui a uns dias... mais propriamente no próximo dia 24, passa mais um ano sobre o aniversário do nascimento de José Duarte Ramalho Ortigão, o autor, juntamente com Eça de Queiroz, dum dos mais fantásticos romances da literatura portuguesa, O Mistério da Estrada de Sintra.
Para comemorar esta efeméride, começo hoje a publicar um texto, da autoria de José Duarte Ramalho Ortigão, retirado do livro "As Farpas" (1888).
Espero que se divirtam!

"As Farpas", Outubro (1888)
“Em consequência da condenação da praça do Campo de Santana, foi em Sintra que desta vez se realizou o grande acontecimento anual do sport tauromáquico, a tourada de Tinoco, a qual se pode chamar o Grand Prix de Lisboa.
Com o caminho de ferro, que presentemente a prende à capital por um breve e cómodo passeio, Sintra mudou muito de aspecto. Ao domingo, principalmente, a multidão trazida pelos comboios de recreio dá-lhe um ar popular de festa suburbana no Beato, nas Amoreiras ou no Campo Grande.
À noite, porém, com a partida do último trem, a vila esvazia-se outra vez. Ao quente burburinho do povo, ao orneio dos burros, às risadas das espanholas, sucede-se o silêncio cavo do vale. A névoa, que lentamente desce da serra., limpa o ambiente da poeira impregnada das exalações da cerveja, do vinho de Colares e do peixe frito. E quando a lua desponta por cima dos castanheiros, esse astro tantas vezes invocado pelo velho lirismo da localidade, não hesitaria em reconhecer na sua decantada serra, no alcantilado relevo da penedia, nas ameias do castelo dos Mouros, na densa espessura dos arvoredos, no murmúrio da água por entre os musgos, no cheiro das giestas húmidas de orvalho, o éden de Childe Harold.
Na segunda-feira pela manhã constata-se que o povo, apesar de tudo quanto as classes cultas receavam da capacidade do seu contacto, não levou consigo nada da antiga Sintra. Cá ficou, onde estava, o real paço, com as suas lindas janelas de dois arcos, manuelinas, em troncos podados; a sua bela colecção de azulejos de tipo árabe, de tipo flamengo e de tipo italiano; o seu cárcere de Afonso VI, a sua sala dos cisnes e a sua sala das pêgas, cuja lenda, Garrett tão encantadoramente narrou nas lindas trovas.

Era uma pega no paço
Que El-Rei tomara caçando...

Na Regaleira os frondosos castanheiros continuam a ensombrar o mais lindo terraço que tem a serra.
Em Seteais não deixou de crescer a erva no terreiro de correr touros e de jogar as canas no tempo do marquês de Marialva, e pelo arco triunfal, no pedantesco estilo pombalino, entra-se agora como outrora para a célebre quinta tão melancolicamente devastada nas alamedas, nos lagos, nos mármores das estátuas e nos arabescos de murta dos seus velhos jardins ingleses.
Na Penha-Verde permanece o Monte das Alvíssaras com as árvores estéreis de D. João de Castro e as ermidas revestidas dos lindos embrechados do século XVI”. (Cont.)

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1 Comments:

At 00:25, Anonymous Anónimo said...

É sempre importante recordar os grandes escritores e os grandes poetas.Luis Villas

 

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